12 de abril de 2021

B4 diariodolitoral.com.br SEGUNDA-FEIRA, 12 DE ABRIL DE 2021 A Sete damatina e a campa- inha de Frank Zappa em Los Angeles toca. Com sono, ele abre a porta e quase não acre- dita no bando mal ajambra- do de cabeludos diante dele. “Viemos tocar pra você”, justi- icam. “Mas era às sete da noi- te”, devolve Zappa que, ain- da assim, dá uma chance aos malucos. “Não entendi nada. Mas vou gravar vocês”, devol- ve o guitarrista, após ouvi-los. Quase uma lenda daque- las que só o rock produz, a história é chancelada por Ali- ce Cooper em recentes entre- vistas de divulgação do re- cém-lançado Detroit Stories, seunovo e elogiável trabalho. Cinco décadas e 27 álbuns de- pois daquele psicodélico kick off em 1969 com Pretties for You, Alice conquistou nova- mente oGraal a que todomú- sico anseia: escalar o topo das paradas de sucesso em vá- rias partes do mundo como o álbummais vendido na se- mana de seu lançamento. In- clusive nos EUA, onde, com petardos como o antológico Billion Dollar Babies, Cooper foi um tsunami de vendas, na primeirametade dos anos 1970. Sinal dos tempos, os nú- meros atuais são bem mais modestos.Mas oque importa é que, aos 73 anos, o roqueiro ainda mostra muito serviço em um dos grandes discos da fase mais recente da car- reira. Bem-humorado, falan- te, na entrevista por telefone direto de Los Angeles, dispa- ra juras e louvores eternos ao rock’n’roll. Não por acaso, foi beber na fonte do rock sujo e áspero que assumidamente o in luenciou: como o título in- dica, Detroit Stories foi escrito e gravado emmeio à fuligem da Motor City em que Vin- cent Damon Furnier nasceu, viveu e cresceu, muito antes de incorporar onome da ban- da que o projetou. “Queríamos fazer um dis- co onde o hard rock é o rei, e onde mais poderíamos ir”?, pergunta, para ele mesmo responder. “Detroit, claro. O berço do hard rock, sinônimo de Iggy Pop and the Stooges, MC5, Bob Seger, Ted Nugent, Suzy Quatro. Bem, fomos para lá, escrevemos todo o álbum e o gravamos, com a participação de muitos mú- Alice Cooper resgata raíz roqueira em ‘Detroit Stories’ e exalta Cristo HARD ROCK. Aos 73 anos, o roqueiro ainda mostra muito serviço em um dos grandes discos da fase mais recente da carreira Alice Cooper conquista novamente o Graal a que todo músico anseia: escalar o topo das paradas de sucesso em várias partes do mundo como o álbummais vendido na semana de seu lançamento DIVULGAÇÃO sicos da cidade nas sessões. Tentamos também ter o Jack White e a SuzyQuatro, ambos de Detroit, mas a agenda de- les não permitiu. Uma pena”. Produzido pelo amigo e eterno parceiro de estúdio Bob Ezrin, Detroit Sories traz contribuições de convidados do calibredos guitarristas Ste- ve Hunter, Joe Bonamassa e Wayne Kramer (ele mesmo, do próprioMC5), e do bateris- ta do U2, Larry Mullen, além dos músicos da Alice Coo- per Band original em algu- mas faixas. Um dos méritos do álbum é não cair na cila- da fácil de apenas en ileirar uma paulada atrás da outra. O hard rock, como o músi- co tanto pontua, dá as cartas. “Se era para fazer emDetroit, nada melhor do que aprovei- tar tudo de bomque a cidade já ofereceu”, avalia o cantor. Verdade: a paleta de Detroit Stories passeia por várias di- ferentes sonoridades da ci- dade. Recria, em versão qua- se metal, Rock & Roll, tema clássicodoVelvet Undergrou- nd. E chuta pra longe a zona de conforto ao se aventurar, quem diria, no chacundum da gravadora Motown, ber- ço esplêndido “detroiter” do que de melhor a música ne- gra ianque já produziu. Há que se ressaltar tam- bém o registro vocal do can- tor, ainda inteiro e seguro. “Pegue por exemplo o Jagger e o Steven Tyler”, compara. “Quando estão em turnê, eles fazem dois a três shows por semana. Eu faço de qua- tro a cinco. E olha que estou em duas bandas que passam muito tempona estrada, eme sinto ótimo.” Ooutro grupo a que ele se refere são os Holly- wood Vampires, seu combo com Joe Perry, do Aerosmith, mais oator JohnnyDepp, que, por sinal, acaba de ter a tur- nê europeia de verão previs- ta para o segundo semestre canceladadevidoàpandemia. “Mas estamos gravando um novo álbum”, adianta. Tanta energia, Cooper sempre ressalta, só existe por ter deixado para trás há dé- cadas a vida (muito) louca do passado. “Sabe o que é acor- dar de manhã e a primeira coisa que você faz ao abrir o olho é tomar uma cerveja, não porque você quer, mas “O rock, o hard rock, é o único estilo que sobreviveu ao punk, à new wave, à disco music, ao hip hop - a lista é longa” Cultura punk, o pop. Naturalmente, o somda Motown não poderia icar de fora. E tínhamos uma banda boa o su iciente para reproduzi-lo, por isso, inves- timos em um som ao estilo da gravadora que sempre foi uma partemuito importante do som de Detroit. Recentemente, você de- clarou que acredita na nova geração do rock. O que tem tocado atualmente noplay- listdoNightswithAliceCoo- per, seu programa de rádio emPhoenix ? Toco muito Foo Fighters, que é uma banda espetacu- lar. Sempre toquei também o Green Day. Mas há muito mais por aí, existe toda uma nova geração de bandas que ainda não são muito conhe- cidas, uma geração que vai emergir. Toda uma safra de novas bandas, de Detroit e outros lugares, de quem va- mos ouvir falar muito nos próximos três ou quatro anos, o que é ótimo. No documentário Su- per Dupper Alice Cooper, de 2014, você comenta que, ao se recuperar de abusos de álcool e drogas, temeu que o personagem Alice Coo- per não mais aparecesse no palco, já que nunca o havia interpretado sóbrio antes. Como venceu esses demô- nios internos? Bem, amo o que faço e queria continuar. Decidi que queria ir emfrente, gravar dis- cos, fazer turnês e, para isso, tinha que parar de beber eme drogar. Vários amigos tinham morridoou estavammorren- do. Jimi Hendrix estava mor- to, JimMorrison, Janis Joplin, muita gente morrendo ao meu redor. E caras como eu, Steven Tyler, Iggy Pop, Jagger, Richards e outros, decidimos viver, em vez de morrer. E paramos de fazer o que es- távamos fazendo. Vai aí uma boa dose de sobrevivência, porque no rock’n’roll é mui- to fácil morrer quando você se deixa levar pelos excessos. E, quando interpretei o Alice Cooper sóbrio, foi a primeira vez que senti realmente estar no controle de tudo: da mi- nha voz, do palco, da plateia, do show. Decidi parar com tudo e aos poucos recuperei minha saúde. Só isso explica eu continuar fazendo o que fazia tanto tempo depois. Antes disso, ainda nos anos 1970, na época do ál- bumLaceandWhiskey,você criououtroalterego,umcer- to Maurice Escargot. Ele foi um bode expiatório para os excessosdopersonagemAli- ce Cooper de então? Sim. Na verdade, existi- ramdoisAliceCoopers. Antes, quandoainda estava bebendo e me drogando, eu interpre- tava umpersonagem que era meio que um coitado, a víti- ma das circunstâncias. E eu o via e interpretava dessa ma- neira. Quando iquei sóbrio, decidi que não podiamais in- terpretar aquele Alice Cooper. Agora, ele seriaumsupervilão numa banda de rock, e com uma boa dose de senso de humor. Como o Coringa, por exemplo. E o público amou esse novo personagem. Oqueofazsertãootimis- ta como rock? Veja, Alice Cooper tem 28 discos de estúdio gravados e todos são de rock. O rock, o hard rock, é oúnico estiloque sobreviveu ao punk, à new wave, à disco music, ao hip hop - a lista é longa. Rolling Stones, Guns’n’Roses, Aeros- mith, Alice Cooper, DeepPur- ple.... todos somos bandas de hard rock, um estilo atempo- ral, que passa de uma geração à outra e nunca vai morrer. Sepegarmoscomoexem- plo apresentações suas no festival alemão Wacken Open Air, um dos maio- res eventos de rock pesado do mundo, é fácil observar como novas gerações sem- preo redescobremOque faz com que Alice Cooper passe no teste do tempo? No fundo, acho que é a música. As pessoas vêm para ouvir Poison, Under My Wheels, Billion Dollar Babies e outras. E eu procuro sem- preme cercar de uma grande banda, dosmelhoresmúsicos possíveis. Comumingredien- te a mais: faço questão que todos sejam amigos. Nunca há egotrips, problemas com dinheiro, ouumcara dormin- do com a garota errada, es- sas coisas nunca acontecem. Somos uma família, passa- mos a maior parte do tem- po rindo. Com o Hollywood Vampires, é a mesma coisa. JohnnyDepp, Joe Perry e eu já estamos juntos há sete anos, e nunca tivemos uma única discussão. Quando você se cerca de pessoas legais, cria- tivas, e com quem você se sente bem, isso faz a diferen- ça no palco. Para quem, há tempos, ao som do hit Elected, sem- pre se “candidata” satiri- camente à Presidência dos EUA, como vê a transição Trump-Biden? Hoje, vivemos em um mundo em que todo mun- do tem que ser politicamen- te correto, e acho que o Alice Cooper é uma válvula de es- cape pra tudo isso. Não sou uma pessoa da política, pro- curo até icar longe dela. Mui- tos artistas e bandas se envol- vem tanto empolítica que se esquecemde se divertir. John Lennon, a certa altura da car- reira, escolheu ser ativista. E eu dizia pra ele, John, você quer salvar o mundo, e eu só quero entretê-lo (risos)! Cla- ro, entendo a política, tenho minhas opiniões, sónão acho que a política caiba no rock. É verdade que você con- verteu o Dave Mustaine, do Megadeth, emcristão? Eu diria que o ajudei a sair das drogas. Sou um cristão praticante, e agora ele tam- bémé. Acho que, nomomen- to em que ele conseguiu se livrar das drogas, começou a avaliar o que de fato era im- portante em sua vida. Ele já tinha carreira consolidada, já era uma estrela, mas isso não necessariamente o fazia feliz. As pessoas pensam que, as- sim que você se torna uma estrela, tudo ica perfeito, e não é bem assim. Você tem que ter uma boa família, estar bem consigo mesmo, e para mim- e acho que para oDave também -, tudo só se ajustou no momento em que desco- brimeu relacionamento com Jesus Cristo. Foi só aí que me senti feliz, e tenho sidomuito feliz desde então. Sou feliz em família, com os amigos, sou feliz no casamento,minha es- posa e eu estamos juntos há 45 anos. (EC) porque seu corpo pede”?, re- velou, anos atrás, em outra entrevista, sobre os dois cases de cerveja e os hectolitros de uísque diários nos quais fa- zia suas orações. Entusiasta do jogging, hoje, em Phoe- nix, Arizona, ondemora, cor- re, malha e joga golfe. E vai à igreja todos os domingos. Cristão praticante, o pai do shock rock - cabeças guilho- tinadas e bebês despedaça- dos em cena que o digam - tem emprestado um ombro amigo a colegas roqueiros en- crencados comgarrafas, agu- lhas e a ins. Tido como um dos caras mais gente ina de todo o cenário do rock, Coo- per só ica em cima do muro quando o assunto é Donald Trump. Por que regravar Rock & Roll,doVelvetUnderground? Conheci Lou (Reed) muito bem, icamos amigos na épo- ca em que fomos para Nova York morar no Chelsea Hotel, nomesmo período que o Vel- vet Underground estava mo- rando lá. E o meu produtor, Bob Ezrin, também produziu discos dele (o mítico ‘Berlin’). Sempre gostei dessa música do Velvet. O que iz foi trazer o contextoda cançãoparaDe- troit e colocar Joe Bonamas- sa na guitarra. Gravamos ao vivono estúdio e ela virouum monstro! Ficou muito boa. A faixa $1000 High Heel Shoes tem muito de Moto- wn, algo totalmente novo emsuamúsica, não ? Ao ir gravar em Detroit, queríamos alcançar todos os pedações damusicalidade da cidade. Cobrir todos os seus diferentes sons, ohard rock, o

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