1º de março de 2021

B4 diariodolitoral.com.br Segunda-feira, 1º DE março DE 2021 Cultura AA Quem tem a sensibili- dade e a frieza de olhar o mundo será responsável por guiar outros olhares. O pantera negra Fred Hamp- ton era uma dessas pessoas. Em ‘Judas e oMessiasNegro’, que chega agora aos cine- mas, o ator Daniel Kaluuya, que interpreta esse ativis- ta visionário de só 21 anos, presidente do partido mais emblemático do movimen- to negro, é um vulcão em pleno trabalho de erupção, um Vesúvio; e o sistema ra- cista, sua Pompeia. Assim como os messias das religiões monoteístas, Hampton tinha à sua dis- posição um exército de fiéis prontos para dar a vida ao movimento. Sua grande in- tenção era fazer esse exér- cito crescer e multiplicar; branco, latino ou preto, isso não importava para ele. E é aí que entra o personagem principal dessa história, Ju- das e suas 30moedasdeDra- cma. William O’Neal, o infil- trado do Exército de Roma, digo, do FBI, é interpretado pelo ator-camaleão LaKeith Stanfield. Com suas expres- sões e trejeitos, ele deixa o espectador se perguntan- do se o enredo, baseado em uma história real, tem ou não um desfecho diferente. Para Martin Luther King, Malcolm X ou Jesus, discur- sar para o povo é sua maior arma. O diretor Shaka King soube captar bem o poder desses sermões a ponto de nos emocionar. Mesmo sen- do poucos essesmomentos, quando ocorrem, é grande a vontade de levantar do as- sentodepunho cerradopara o alto. Uma tática jámuito bem vista em“Pantera Negra”, da Marvel e “Corra!”, a trilha so- nora com sons caracterís- ticos de músicas de países africanos foi bemusada nes- ses momentos. Atabaques e tambores imitamas respira- ções e batidas do coração. É de tirar o fôlego. Os atores Shaka King e Martin Sheen, que interpre- tam agentes do FBI, fazem muitobemopapel dedemô- Daniel Kaluuya interpreta o pantera negra Fred Hampton, esse ativista visionário de só 21 anos, presidente do partido mais emblemático do movimento negro DIVULGAÇÃO ‘Judas e o Messias Negro’ ensina que não se faz revolução do sofá de casa CINEMA. Longa produzido pelo diretor de ‘Pantera Negra’ impressiona pela direção segura de Shaka King e ótima trilha sonora nios brancos que estão ali apenas para mudar a histó- ria com seus privilégios, di- nheiro, culpa e muito racis- mo. Nada diferente de uma atuação padrão de brancos num filme como esse. Assim como em qual- quer filme que se passa nos anos 1960 e 1970, as cores emudecidas dos ambientes criamcontrastes comas rou- pas das gangues, coloridas e padronizadas como unifor- mes, e com os ternos pretos e camisas brancas dos agen- tes policiais, padrão de fil- mes policiais de época. Outro contraste perceptí- vel são as atuações deDaniel Kaluuya e LaKeith Stanfield, interpretando dois revolu- cionários que crescem e ga- Experiência de assistir a ‘Judas e o Messias Negro’ colabora para que depois de duas horas de filme você saia arrepiado, indignado com os últimos acontecimentos que torna alguém um revo- lucionário. São os fins ou os meios? Ou seria o objetivo da revolução? E até que pon- to Judas eraumrevolucioná- rio, assim como Jesus? Polêmicas à parte, o filme não converte ninguém. Apa- rentemente, o diretor estu- dou numa escola semparti- do, e talvez este seja ogrande diferencial de “Judas eoMes- siasNegro”, uma obra só aca- dêmica. Isso talvez pelo fato de umsimples filme nãopo- der cumprir esse papel. Ele se atém aos fatos –mesmo que ninguém saiba toda a verdade até hoje. A entrevista dada pelo verdadeiro traidor William O’Neal, divulgada em 17 de fevereiro de 1990, dois dias depois de sua morte e no dia em que se comemora o aniversáriodeMartinLuther Kingnos EstadosUnidos, é o que conduz a história. Sem mais e nem menos, na sua visão, claro. Ser umfilme chapa-bran- ca deixa a frase “você pode matar o revolucionário, mas você não pode nunca matar a revolução”, dita por Fred Hampton, um pouco sem sentido, já que em suas au- sências omovimento negro durante o filme é falho e quase inexistente. Algo que claramente não é verdade. Se há uma lição a ser ti- rada da obra, é que a revolu- çãonão se fazno sofáde casa ou comnotas de repúdio no Twitter. Se faz com o povo nas ruas, tentando dominar o mundo. Mas fique tranquilo. Toda a experiência de assistir a “Judas e o Messias Negro” colabora para que depois de duashorasde filmevocê saia arrepiado, indignado com os últimos acontecimentos, ainda mais confuso sobre a história de Fred Hampton. E, claro, louco para comprar uma calça camuflada verde, jaqueta preta, uma boina e óculos escuros Ray-Ban clás- sico. (FP) JUDASEOMESSIASNEGRO Elenco: Daniel Kaluuya, La- Keith Stanfield, Jesse Plemons Produção: EUA (2021) Direção: Shaka King Avaliação: Muito bom AA Aprontando toda a sorte de vilanias queo folhetimpermite no papel de Irene, em A Força do Querer, em reprise na Glo- bo, a mineira Débora Falabel- la passou os últimos 20 anos experimentando - nos hiatos entre telenovelas e séries de sucesso - os novos e veteranos olhares que o cinema nacional consagra, em sua busca para imprimir brasilidade na telona. Háduasdécadas, Françoise, um curta-metragemde umconter- râneo das Gerais, Rafael Conde, marcoua estreiadelanoplanis- fério cinematográfico. Logona sequência, fez opri- meiro longa, 2 Perdidos Numa Noite Suja (2002), obra-prima de José Joffily, peloqual recebeu o troféu Candango de melhor atriz em Brasília, reinventan- do um dos personagens mais ferozes da obra teatral de Plí- nio Marcos (1935-1999): Paco maluco e perigoso. Mas ficou “maluca e perigosa” na relei- Débora Falabella celebra duas décadas de cinema tura dela, que volta ao circuito exibidor nesta semana à frente deDepois a Louca SouEu, de Ju- lia Rezende Num diálogo com o livro homônimo de Tati Ber- nardi, Débora vira Dani, publi- citária e escritora numa educa- ção sentimental para domar os rugidos do inconsciente que a tornam um poço de ânsia. “A Julia é uma diretoramui- to segura do que quer, capaz de fazer um filme sobre an- siedade ter um set tranquilo. Eram dezenas de micro cenas, várias trocas de figurino, mas ela tinha um poder de coman- dar aquilo comcalma, numset muito feminino, em que me sentia criando junto, numa co- laboração”, diz a atriz, que com- pletou 42 anos na segunda-fei- ra, 22. “Às vezes, sinto que faço pouco cinema e eu gostomui- to de sets. Gosto do fazer em si, gosto de ver as pessoas tra- balhando. Quando fiz 2 Perdi- A atriz Débora Falabella no filme “Depois a Louca sou Eu’ DIVULGAÇÃO do romance Cordilheira, deDa- niel Galera, sob a direção de Fernando Fraiha, em Ushuaia, na Argentina. Agora, grava em SãoPaulo anova temporada do seriado Aruanas, da TV Globo. “É bom ver que as séries de TV feitas hoje têmsets como os de cinema”, diz a atriz, que vê De- pois a Louca Sou Eu como um projeto “acessível para muita gente”. “Éumfilmemuito femi- nino, sobre uma mulher forte que busca se entender.” Aplaudido com ardor em suas sessões populares no Festival de Rio 2019, Depois a Louca Sou Eu teve que fi- car quase 14 meses quarente- nados, esperando o circuito reabrir e ter uma boa brecha para uma comédia nacional de tons dramáticos, com a assinatura autoral de crônica geracional típica de Julia Re- zende, como visto em Ponte Aérea (2015) e Como É Cruel Viver Assim (2017). (EC) nham destaque diante de seu povo com objetivos pa- recidos –a liberdade–, mas emdimensões bemdiferen- tes. Diferenças de finalidades que nos fazem perguntar o dos, foi encantador poder fil- mar emNovaYork, não apenas pela cidade em si, mas por ser um lugar que descobri com meu pai, nesses filmes. Cresci vendo aquele lugar nas telas com ele. O cinema é um lu- gar paterno pra mim. E tenho muita vontade de fazer outras coisas nele.” Em seu interesse pelo pro- cesso cinematográfico, Débo- ra ficou, entre novembro e de- zembro, rodando uma versão Filho de Benito lança quarto álbum AA “O Mestre-Sala da Minha Saudade”, quarto álbum do cantor, compositor, pianista e ator Rodrigo Vellozo, 39, é uma homenagem póstuma ao irmão caçula, o cineasta André Vellozo, que morreu, aos 36 anos, em 2019. Neste álbum, que agora é lançado emvinil, ele tenta se livrar da dor da perda cantando para sobreviver ao momento que descreve como “omais difícil da sua vida”. O artista afirma que começou a gravar o disco três meses após a morte do irmão. Hoje, quando ouve as músicas, percebe a “voz doí- da”. Ele diz que a gravação do disco foi rápida, muito difícil e um processo de “expurgar o sofrimento”. Vellozo conta que até hoje o pai, o cantor Benito Di Paula, 79, tem difi- culdade de falar da perda pre- coce do filho. (FP)

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